Tirei a sorte grande. E não foi por que o Mascarado me levou
para almoçar no dia seguinte, no Bar des Arts, um restaurante bacanérrimo de
São Paulo, com direito a carpaccio de entrada, filé mignon de saída e cineminha
de sobremesa – pornô, claro, daqueles bem fuleiros que a gente entra só pra dar
uma rapidinha e depois sai rindo, mais leve, achando graça nas taras alheias e
na nossa própria falta de bom senso. Tem certas coisas que quebram totalmente o
romantismo, mas quem disse que uma paixão vive só de rosas vermelhas e
declarações de amor ao pé do ouvido? É bom ser oito e oitenta, ser a lady na mesa e a vadia na cama. Eles
gostam, ficam loucos por nós. E a gente adora!
Tampouco foi pela very
happy hour no Skye Bar do Hotel Unique regada a martini doce com cereja e
discretos beijos apimentados com arrepios promissores e um pôr do sol
fantástico. Nem por que ele alugou uma suíte no hotel e me arrastou pra lá,
assim, com urgência, algo inesperadamente fora da programação, mas
circunstancialmente necessário devido ao alto grau de tesão acumulado pelo pôr
do sol apimentado com cerejas fantásticas e promissores beijos arrepiantes.
Na antessala da suíte, começamos modestos, mordiscadas aqui e
ali. Mas antes que a coisa toda pegasse fogo e ele me incendiasse sem chances de
eu me apagar, me desvencilhei dos braços viris e fugi correndo, seminua, lomba
acima, me grudando feito uma aranha sobre a parede côncava que a inusitada
arquitetura do local contemplava. De frente pra ele, decretei: “Hoje quem dita
as regras sou eu”. Ele assoviou: “Fiiiiu! Ok, essa noite sou seu escravo, minha
deusa”. Sorriu com aquelas covinhas adoráveis, aquele maxilar apetitoso, ai,
meu Deus, como manter a postura diante de tamanha descompostura de homem? Ele
não é um pedaço de mau caminho, é todo o resto do percurso. “Tenho uma
surpresinha para você”, fiz biquinho.
“Posso fazer uma ressalva?”, pediu, enquanto tirava a roupa.
“Ressalva concedida”, eu estava apoiada com os cotovelos no escorregador
gigante em que o chão se transformava, numa pose pra lá de convidativa, pernas
levemente afastadas, vestido lilás de seda aberto sobre a lingerie branca,
meias sete oitavos rendada, calcinha e sutiã. Minha respiração ofegante fazia
meu corpo me contradizer. “Não, não chega perto”, supliquei, mas ele veio ressalvando
aqui, ressalvando acolá, me deixando sem salvação, danada no fogo do inferno do
prazer. “Ai, Mascarado!”, e isso que ele já nem usa mais máscara.
“O que é mesmo...”, puxou a minha calcinha pro lado, “...que
você”, baixou a cueca dele, “...tinha para me dizer?”, irrompeu meu eu, meu
tudo, “Aaaaaah”, com tudo. Droga, o que é que eu estava planejando para nós
dois? “Ahhh”, eu disse, “Mmmm, lembrei, uh, uh, aaaaah”, gemi. “Fala”, vup,
vup, vup, “Aaaaah, hoje, hummm, a gente vai, uhhhhh, jogar loteriaaaaa”,
consegui completar a frase. Deixa-me tomar fôlego. Só de lembrar aquele momento
fiquei molhadinha. Vup, vup, vup. “Fala, gostosa!”, aaaaah, depois eu conto
como é.
Ufa! Com papel e lápis na mão e excitantes beijos no pescoço,
tentei explicar: “Cada um escreve cinco coisas que gostaria que o outro
fizesse. Sem limites para a imaginação, vale tudo, tudo mesmo. Somando as
partes, são dez desejos no total”, desviei a boca da boca dele para poder
continuar a falar. Não foi uma tarefa fácil. “A gente dobra cada papelzinho e
coloca dentro deste vaso. Depois sorteia. E realiza. Você está escutando?”,
perguntei. Ele grunhiu que sim.
“Você pode pegar um desejo meu assim como eu posso pegar um
seu. O outro vai ter que cumprir a ordem”. Ele parou de me beijar a nuca e
disse: “Eu tenho uma dúvida”, encostou o nariz no meu, “Fala”, comecei a fazer
carinho com o meu nariz no dele, “E se durante o jogo me der uma vontade louca
de beijar essa tua boca deliciosa, o que é que eu faço?”, caiu dentro. Como é
que eu ia responder?
Deixei-o começar. Leu: “Seguir o rastro de uma pedrinha de
gelo... com beijos”. É claro que era um desejo meu, homem não pede esse tipo de
coisa. Ao lado da cama, o champanhe estava a postos. Quando ele se preparou
para deslizar a pedrinha nas minhas curvas, interrompi: “Sou eu que cumpro a
ordem do desejo que você tirar”. Ele fez menção de contestar, mas derrubei-o
sobre os lençóis e ordenei: “Fecha os olhos”.
Fiquei torturando-o alguns segundos, deixando o gelo pingar
aqui e ali, me decidindo por onde ia começar. Iniciei pela virilha, uma parte
bem sugestiva, dá a impressão de que a gente vai direto ao ponto. Não fui. Fiz
um círculo inteiro pelo corpo dele, frente e verso, até me dar por satisfeita
com o efeito de cada gemido. Então abocanhei o que ele já nem achava que eu
iria abocanhar. O geladinho derretendo feito sorvete sobre o ferro em brasa,
hum, deu um gosto maravilhoso.
“Strip-tease!”, foi a minha vez. “Ah, era para você fazer um
pra mim”, fez beicinho. “Adorei”, dei uma gargalhada. “Vamos lá, estou
prontíssima, pode começar”. Envergonhado, levantou meio sem jeito e abriu os
braços como quem diz “fazer o quê?”. Ele estava nu, nuzinho, esculpido como
veio ao mundo, músculo por músculo, ali, inteirinho pra mim. Mesmo que não
dançasse, eu já estava achando tudo de bom. Quando pensei em dar uma chance
para ele, em devolver aquele e tirar outro papelzinho, me surpreendeu: fez
“clic”, num estalo com os dedos, escolheu uma música no IPod e conectou ao som
do hotel. O show particular que tive o prazer de assistir, exclusivo e
inclusivo, inclusive, não tenho como descrever aqui.
“Eu me inspiro em você. E você, de onde tira tanta
inspiração?”, perguntou, ao ler outro desejo meu no bilhete premiado dele:
‘contos eróticos’. Confesso que esse eu queria ouvir dele, uma historinha
sacana, uma lembrança dele com alguém, uma fantasia, sei lá. É gostoso saber o
que se passa na mente do parceiro, participar das loucuras da libido do outro,
ver até onde a imaginação dele estica. Mas caiu para eu realizar. Baixei a luz.
Na penumbra, inventei uma história tolinha em que eu era uma virgemzinha e ele
meu iniciador. Fomos entrando na pele das personagens, ele, lobo, tentando me
devorar, eu inocente cordeirinho. Ele me tocando e eu assustada. Ele me
seduzindo e eu me deixando seduzir. Por mais que nós mulheres saibamos sair pra
caçar, os machos ficam muito mais felizes quando somos caça. Na natureza, os
lobos se babam ao comer o cordeiro. Não o contrário.
“Sexo anal”, tirei. “Não acredito que você me deu esse
presente!”, exclamou animadíssimo. “Quem disse que foi um presente para você?
Eu também gosto de me agradar”, mordi o lábio, safada. Virei de quatro: “Vem!”.
Mas ele não veio. Me alisou inteira, começou na nuca e desceu com um gelo pela
minha espinha dorsal, seguindo com beijos e mordiscadas só para me ver rebolar
de tesão. A essa altura agregamos os outros papéis. Tem uma hora que o jogo não
dá mais certo, quebram-se as regras, ninguém mais segue o protocolo. O sorteio
vira uma mera pitada de pimenta no acarajé. Mas eu garanto: aí é que fica
ótimo.
Quando todos os nossos desejos se esgotaram, se é que isso
era possível, e o vaso ficou vazio e nós arfantes, dei o tiro de misericórdia:
“Agora, todos os papeizinhos vão voltar para o sorteio e tiraremos par ou
ímpar. Quem ganhar será inteiramente bajulado pelo outro, servido e
deliciosamente supliciado até pedir para parar”. Exausto, deitado de barriga
pra cima, ele riu. “Par”, levantei a mão, “ímpar”, ergueu a dele, “ganhei”. Num
salto, “Ah, é?” voou pra cima de mim. Não disse que tirei a sorte grande?
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