quinta-feira, 2 de agosto de 2012

LOTERIA


Tirei a sorte grande. E não foi por que o Mascarado me levou para almoçar no dia seguinte, no Bar des Arts, um restaurante bacanérrimo de São Paulo, com direito a carpaccio de entrada, filé mignon de saída e cineminha de sobremesa – pornô, claro, daqueles bem fuleiros que a gente entra só pra dar uma rapidinha e depois sai rindo, mais leve, achando graça nas taras alheias e na nossa própria falta de bom senso. Tem certas coisas que quebram totalmente o romantismo, mas quem disse que uma paixão vive só de rosas vermelhas e declarações de amor ao pé do ouvido? É bom ser oito e oitenta, ser a lady na mesa e a vadia na cama. Eles gostam, ficam loucos por nós. E a gente adora!

Tampouco foi pela very happy hour no Skye Bar do Hotel Unique regada a martini doce com cereja e discretos beijos apimentados com arrepios promissores e um pôr do sol fantástico. Nem por que ele alugou uma suíte no hotel e me arrastou pra lá, assim, com urgência, algo inesperadamente fora da programação, mas circunstancialmente necessário devido ao alto grau de tesão acumulado pelo pôr do sol apimentado com cerejas fantásticas e promissores beijos arrepiantes.

Na antessala da suíte, começamos modestos, mordiscadas aqui e ali. Mas antes que a coisa toda pegasse fogo e ele me incendiasse sem chances de eu me apagar, me desvencilhei dos braços viris e fugi correndo, seminua, lomba acima, me grudando feito uma aranha sobre a parede côncava que a inusitada arquitetura do local contemplava. De frente pra ele, decretei: “Hoje quem dita as regras sou eu”. Ele assoviou: “Fiiiiu! Ok, essa noite sou seu escravo, minha deusa”. Sorriu com aquelas covinhas adoráveis, aquele maxilar apetitoso, ai, meu Deus, como manter a postura diante de tamanha descompostura de homem? Ele não é um pedaço de mau caminho, é todo o resto do percurso. “Tenho uma surpresinha para você”, fiz biquinho.

“Posso fazer uma ressalva?”, pediu, enquanto tirava a roupa. “Ressalva concedida”, eu estava apoiada com os cotovelos no escorregador gigante em que o chão se transformava, numa pose pra lá de convidativa, pernas levemente afastadas, vestido lilás de seda aberto sobre a lingerie branca, meias sete oitavos rendada, calcinha e sutiã. Minha respiração ofegante fazia meu corpo me contradizer. “Não, não chega perto”, supliquei, mas ele veio ressalvando aqui, ressalvando acolá, me deixando sem salvação, danada no fogo do inferno do prazer. “Ai, Mascarado!”, e isso que ele já nem usa mais máscara.

“O que é mesmo...”, puxou a minha calcinha pro lado, “...que você”, baixou a cueca dele, “...tinha para me dizer?”, irrompeu meu eu, meu tudo, “Aaaaaah”, com tudo. Droga, o que é que eu estava planejando para nós dois? “Ahhh”, eu disse, “Mmmm, lembrei, uh, uh, aaaaah”, gemi. “Fala”, vup, vup, vup, “Aaaaah, hoje, hummm, a gente vai, uhhhhh, jogar loteriaaaaa”, consegui completar a frase. Deixa-me tomar fôlego. Só de lembrar aquele momento fiquei molhadinha. Vup, vup, vup. “Fala, gostosa!”, aaaaah, depois eu conto como é.

Ufa! Com papel e lápis na mão e excitantes beijos no pescoço, tentei explicar: “Cada um escreve cinco coisas que gostaria que o outro fizesse. Sem limites para a imaginação, vale tudo, tudo mesmo. Somando as partes, são dez desejos no total”, desviei a boca da boca dele para poder continuar a falar. Não foi uma tarefa fácil. “A gente dobra cada papelzinho e coloca dentro deste vaso. Depois sorteia. E realiza. Você está escutando?”, perguntei. Ele grunhiu que sim.

“Você pode pegar um desejo meu assim como eu posso pegar um seu. O outro vai ter que cumprir a ordem”. Ele parou de me beijar a nuca e disse: “Eu tenho uma dúvida”, encostou o nariz no meu, “Fala”, comecei a fazer carinho com o meu nariz no dele, “E se durante o jogo me der uma vontade louca de beijar essa tua boca deliciosa, o que é que eu faço?”, caiu dentro. Como é que eu ia responder?

Deixei-o começar. Leu: “Seguir o rastro de uma pedrinha de gelo... com beijos”. É claro que era um desejo meu, homem não pede esse tipo de coisa. Ao lado da cama, o champanhe estava a postos. Quando ele se preparou para deslizar a pedrinha nas minhas curvas, interrompi: “Sou eu que cumpro a ordem do desejo que você tirar”. Ele fez menção de contestar, mas derrubei-o sobre os lençóis e ordenei: “Fecha os olhos”.

Fiquei torturando-o alguns segundos, deixando o gelo pingar aqui e ali, me decidindo por onde ia começar. Iniciei pela virilha, uma parte bem sugestiva, dá a impressão de que a gente vai direto ao ponto. Não fui. Fiz um círculo inteiro pelo corpo dele, frente e verso, até me dar por satisfeita com o efeito de cada gemido. Então abocanhei o que ele já nem achava que eu iria abocanhar. O geladinho derretendo feito sorvete sobre o ferro em brasa, hum, deu um gosto maravilhoso.

“Strip-tease!”, foi a minha vez. “Ah, era para você fazer um pra mim”, fez beicinho. “Adorei”, dei uma gargalhada. “Vamos lá, estou prontíssima, pode começar”. Envergonhado, levantou meio sem jeito e abriu os braços como quem diz “fazer o quê?”. Ele estava nu, nuzinho, esculpido como veio ao mundo, músculo por músculo, ali, inteirinho pra mim. Mesmo que não dançasse, eu já estava achando tudo de bom. Quando pensei em dar uma chance para ele, em devolver aquele e tirar outro papelzinho, me surpreendeu: fez “clic”, num estalo com os dedos, escolheu uma música no IPod e conectou ao som do hotel. O show particular que tive o prazer de assistir, exclusivo e inclusivo, inclusive, não tenho como descrever aqui.

“Eu me inspiro em você. E você, de onde tira tanta inspiração?”, perguntou, ao ler outro desejo meu no bilhete premiado dele: ‘contos eróticos’. Confesso que esse eu queria ouvir dele, uma historinha sacana, uma lembrança dele com alguém, uma fantasia, sei lá. É gostoso saber o que se passa na mente do parceiro, participar das loucuras da libido do outro, ver até onde a imaginação dele estica. Mas caiu para eu realizar. Baixei a luz. Na penumbra, inventei uma história tolinha em que eu era uma virgemzinha e ele meu iniciador. Fomos entrando na pele das personagens, ele, lobo, tentando me devorar, eu inocente cordeirinho. Ele me tocando e eu assustada. Ele me seduzindo e eu me deixando seduzir. Por mais que nós mulheres saibamos sair pra caçar, os machos ficam muito mais felizes quando somos caça. Na natureza, os lobos se babam ao comer o cordeiro. Não o contrário.

“Sexo anal”, tirei. “Não acredito que você me deu esse presente!”, exclamou animadíssimo. “Quem disse que foi um presente para você? Eu também gosto de me agradar”, mordi o lábio, safada. Virei de quatro: “Vem!”. Mas ele não veio. Me alisou inteira, começou na nuca e desceu com um gelo pela minha espinha dorsal, seguindo com beijos e mordiscadas só para me ver rebolar de tesão. A essa altura agregamos os outros papéis. Tem uma hora que o jogo não dá mais certo, quebram-se as regras, ninguém mais segue o protocolo. O sorteio vira uma mera pitada de pimenta no acarajé. Mas eu garanto: aí é que fica ótimo.

Quando todos os nossos desejos se esgotaram, se é que isso era possível, e o vaso ficou vazio e nós arfantes, dei o tiro de misericórdia: “Agora, todos os papeizinhos vão voltar para o sorteio e tiraremos par ou ímpar. Quem ganhar será inteiramente bajulado pelo outro, servido e deliciosamente supliciado até pedir para parar”. Exausto, deitado de barriga pra cima, ele riu. “Par”, levantei a mão, “ímpar”, ergueu a dele, “ganhei”. Num salto, “Ah, é?” voou pra cima de mim. Não disse que tirei a sorte grande?

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