Se há uma coisa verdadeiramente surpreendente no Mascarado é
a capacidade dele fazer com que a surpresa seguinte seja sempre melhor que a anterior.
Minha noite foi uma sequência de encantamentos e não recordo bem em que momento
de exaustão ou felicidade adormeci. Quando despertei, estava no quarto dele, na
cama king size, em meio a alvos
lençóis e travesseiros de pena de ganso. Olhei para o lado e não o vi. Levei a
mão ao rosto e sim, minha máscara estava lá. Por um segundo achei que ele pudesse
ter tido a curiosidade de saber quem eu era. Quem eu sou. Porque, com certeza,
depois dessa noite, não sou mais o que eu era antes.
Em algum lugar do quarto, talvez por todos os cantos, tocava
delicadamente Twilight Song, do Charlie Haden. Eu sei pois sou louca por esse
álbum (Night and the City) que ele gravou com o Kenny Barron. Agora, como o Mascarado
descobriu, não me pergunte. Às vezes eu acho que ele lê a minha mente. Não pode
ser uma simples coincidência.
Desci da cama, nua, e só então percebi a coisa mais
inacreditável: o quarto estava cheio da minha presença. Eu estava em todos os
lugares, em todas as paredes! Na penumbra, iluminadas por pequeninas luzes
direcionadas, fotografias de partes do meu corpo, em preto e branco, estavam
emolduradas e penduradas para onde quer que olhasse. Grandes coxas, bunda,
lábios, colo, pernas, pés, mãos, queixo, pescoço, púbis, todas as minhas curvas
e reentrâncias se exibiam em poses sensuais, lindas, me transformando no
abecedário da anatomia – e porque não da alma?, feminina. Fiquei absolutamente
atordoada, estupefata, maravilhada, não sei que palavra usar.
“Gostou?”, ele perguntou. Virei-me em silêncio. Ali estava
aquele pedaço de homem, sentado numa poltrona, perfeito para mim. “São as fotos
do Y.”, balbuciei. “A coleção inteira”, confirmou. Emocionada, mal consegui
falar. Nem sorrir consegui. Na verdade, acho mesmo que me deu vontade de
chorar. Sabe quando tocam lá no fundo, lá no fundinho de tal maneira que você nunca
foi tocada antes?
Sabe quando alguém consegue dedilhar as cordas da sua alma e lhe
fazer vibrar e sentir a mais bela canção, junção de todas as notas, todos os
sentimentos que você armazenou e guardou e escondeu e talvez nunca tenha tido o
prazer de entrar em contato direto, todas as experiências que fizeram e fazem
de você o que você é? O Mascarado achou o caminho para a minha essência. Ele me
deu o maior dos presentes: o melhor que eu poderia ser para mim mesma.
Caminhei até ele, puxei-o pela mão, arrastei-o para a cama.
Sentados frente a frente, sobre o imenso colchão, lentamente soltei os grampos
que prendiam minha máscara e, quando fiz menção de tirá-la, ele me deteve:
“Você não precisa fazer isso, se não quiser”. Mas eu queria. Ele já me conhecia
tanto, o que mais poderia eu esconder? Queria me entregar por inteira,
desvendar meus últimos mistérios, como uma virgem diante do primeiro ato.
Segredos? Já não os tinha mais. Eu era toda direito e avesso.
Olhos nos olhos, respiração uníssona, finalmente revelei
minha face oculta. Ele acariciou a minha pele, “Linda!”, exclamou. E sorriu
feito um menino. E me beijou como os meninos beijam, assim, sem saber por onde
começar. E foi tateando e me descobrindo e se conectando também ele com as
próprias emoções. Até entrarmos um tão dentro do outro que era difícil dizer
quem era quem. Essa noite não teve sexo. Essa noite teve amor.
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