sábado, 21 de julho de 2012

PODEROSA E SUBMISSA


Fenomenal: raro, singular, extraordinário, admirável, formidável, espantoso, assombroso, surpreendente, gigantesco, descomunal. Fiquei em dúvida sobre qual sinônimo pescado no dicionário usar, usei todos. A casa do mascarado nos Jardins, em São Paulo, era algo como ele: indescritível. A entrada era camuflada por plantas, muitas plantas, mal se via a fachada. Mas quando os portões de madeira maciça se abriram, revelaram um verdadeiro Jardim do Éden, com esculturas aqui e ali e uma pontezinha linda que cruzava um pequeno lago com uma fonte levava a um recanto com redes e futons sobre estrados. Foi ali que nos instalamos.

A noite estava agradável, uma brisa soprava fininho, daquelas que não mata de frio, mas arrepia a pele. A lua espiava entre nuvens e, além dela, duas tochas eram tudo o que iluminava o ambiente. Uma música tribal, densa, excitante, amornava o ar. Despojado, ele tirou os sapatos e, com os pés descalços, se dirigiu a uma mesinha de canto onde havia uma bandeja com bebidas. Voltou com dois cálices pequenos. Olhei para aquela imagem, Deus grego mascarado de calça cargo e camisa cheia de amarras, entreaberta no peito, sorriso e covinhas convidativos, vindo em minha direção. Suspirei. Ele parou no meio do movimento e, depois de alguns segundos me contemplando, disse: “Nunca vou esquecer este momento”. Tirou as palavras da minha boca.

“Vinho de ameixa, espero que você goste. Eu trouxe da China”, anunciou. Sentou-se ao meu lado e me estendeu um cálice com ameixas secas dentro. Quando fui pegar, puxou de volta, me provocando. Chegou mais perto e me deu na boquinha. Deixou escorregar o líquido docinho e quente pelos cantos dos meus lábios e começou a me passar a língua suavemente, alternando com beijos em volta da minha boca, beijos cheios de vontade, para novamente abrandar e me mordiscar de mansinho. “Aaah!”, exclamei baixinho. Contive meu impulso de agarrá-lo. Ele estava no comando. A mim só cabia acatar. E aproveitar.

Às vezes, uma atitude submissa enlouquece muito mais os homens do que uma pró-ativa. Ele quer arrepiá-la com gelo, cera de vela, penas de ganso? Fique paradinha. Não tente ser mais criativa que ele ou mostrar que você também pode enchê-lo de tesão com técnicas e performances mirabolantes. Esqueça. Quando um homem nos dá uma ordem implícita ou explícita, na cama, ele só quer uma coisa: que você obedeça. Ele quer brincar? Seja o brinquedinho dele. Quer montar e desmontar, quer abrir e fechar você? Submeta-se. Não interfira neste momento macho-dominador, neste ímpeto de subjugar a fêmea, de mostrar que é que manda no pedaço. Deixa ele achar que é ele. Melhor: faça-o ter certeza disso.

Nossas línguas se encontraram. Foi de repente e a culpa foi minha. Um toque fugidio, inesperado, um reflexo involuntário da minha parte não esperou a ordem dele para avançar o sinal. Recuei instintivamente, minha máscara de porcelana chinesa quase caiu do meu rosto. Senti os dedos dele subindo pelo meu pescoço, uma mão espalmada me puxou firme, cabelos, nuca, cabeça, e uma língua sedenta, sôfrega, selvagem, acabou com o meu recato. Um líquido viscoso e morno escorreu no meu decote, espartilho adentro, e encontrou o meu umbigo, não sei como. “Adorei...”, me sugou o colo, “...o vinho”, derramou mais um pouco entre os meus seios comprimidos que, lentamente, foram respirando ao ar livre conforme o corpete ia sendo aberto.

Uma lufada forte de vento balançou a chama das tochas e interrompeu nosso delírio. O céu tinha fechado e nuvens negras trouxeram um temporal. Quanto tempo ficamos ali entregues um ao outro? Definitivamente, esse homem me tira de órbita. Bem que eu senti uns arrepios, mas não me passou pela mente que pudessem ser de frio - havia tantos outros motivos!

“E agora?”, ri, colocando a mão numa cascata que caía do telhado. Eu estava nua em pêlo, tremendo com as sensações que a água me provocava. Meus bicos, intumescidos pelo vendaval gelado acenderam uma lareira dentro do mascarado. Vi quando a tora dele crepitou. “Vira”, sussurrou no meu ouvido. Virei. “Empina”, arrebitei o traseiro. Ele prendeu fogo. E o meu banho tão merecido depois de tantas lambidas e licores, foi tomado, por dentro e por fora, com esfregão de aço.

A casa circundava o jardim em forma de “L”. Tinha dois andares para cima, com sacadas, e muitos para baixo, que iam se debruçando uns sobre os outros, com ambientes em desníveis até um segundo jardim onde uma piscina aquecida, cheia de charme, invadia o interior da residência como o olhar de um cão servil esperando afago. Tirei a máscara e dei um mergulho revigorante enquanto o mascarado foi buscar roupões e toalhas. Ah, que delícia! Antes da volta dele, tornei a ocultar a minha identidade. Luzes indiretas estrategicamente espalhadas deixavam o ar romântico e convidativo.

Confesso que essa coisa da máscara começou a me incomodar. Não pelo mistério envolvido, porque isso continuava um tesão. Mas pela falta de praticidade e desconforto. Ele parece ter lido os meus pensamentos. Não sei bem de onde, puxou um tecido lindo com estampas de dragões orientais e falou: “Comprei no Mercado da Seda em Beijing pensando nesta noite”, sorriu malicioso. Esperei para ver onde ele queria chegar. “Que tal você trocar a sua máscara de porcelana por, digamos, uma mais confortável?”, esticou o pano formando uma venda. Ula-lá! Era tudo o que eu queria.

Vendada, totalmente entregue, fui conduzida a uma espreguiçadeira, creio eu, ou talvez fosse um divã. O móvel tinha dois braços de madeira, dois apoios, assim, dos lados. E era bem comprido - consegui me deitar quase inteira sobre ele. “Uau, queee momento”, ouvi meu amante suspirar. Ordenou: “Ajoelha aqui”, ajoelhei. “Inclina mais, isso, aí está bom”, passou a mão pelo meu corpo. Um pulso, ele amarrou alto, à esquerda, o outro, à direita. Fiquei presa, nua, de quatro, absolutamente vulnerável. “GOSTOSA!”, exclamou. Gostosa e encharcada de tesão.

O mascarado fez o que quis comigo. Mandava rebolar, eu rebolava. Mandava eu me abrir, me abria. Afundar, afundava. Sugar, sugava. Engolir, engolia. Me fez de gato e sapato e como eu gostei. E como me contorci e urrei e gozei. Eu era a deusa dele e ele o meu cavalo alado. Quando nossa aventura pelos campos dos sentidos terminou, exausto, meu garanhão, me fazendo um cafuné sem fim, disse: “Vou te sequestrar uma semana!”, e riu. Rimos. “Estou falando sério, não vou deixar você ir embora”, me estreitou nos braços. “Uma semana? Você está louco, não posso ficar todo esse tempo aqui”, respondi, me aninhando no peito dele. “Por que não?”, rebateu. É vero... Por que não?

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