Toda a virada de ano eu penso a mesma coisa: o ano que se vai
são os trilhos e o que chega, a locomotiva. Os trilhos são o caminho, as ações
e sentimentos que sedimentamos na linha da nossa existência e que nos permite
seguir adiante, ajustando aqui e ali o que está fora do lugar, indo pra cá ou
pra lá conforme o rumo que traçamos. Há quem construa para si uma ferrovia profissional,
outros focam em viajar, casar, ter filhos. Pois eu quero mais é soltar fumaça,
arder em brasa.
Minhas estações não estão no mapa, não têm endereço fixo. Meu
caminho é a locomotiva. E a locomotiva é o que nos atropela, é o novo, o
futuro, o que está tão perto e tão longe, visível e intangível, são os nossos
desejos não realizados, mas ainda vivos, é onde depositamos esperanças de
sucesso e concretizações. O ano que chega nos levará adiante ou será que
ficaremos com as bagagens na mão abanando ao que se vai no horizonte?
Vivi um ano de paixões avassaladoras. Paixões carnais,
paixões utópicas, paixões doentias, sadias, doídas, prazerosas, paixões
provocadas, paixões provocantes, densas, úmidas, lacrimosas, paixões
instantâneas, ardentes, escandalosas, paixões verdadeiras, amargas, impuras, paixões únicas, múltiplas,
engraçadas, correspondidas, inesperadas, paixões proibidas, breves, leves,
fúteis, abissais, efêmeras, paixões loucas, paixões serenas, vivi um ano
apaixonante e apaixonada. Não sou das que esperam o trem parar para subir em
segurança, nem das que agarram num salto oportuno os vagões em movimento. O que
eu gosto mesmo é de andar pelos trilhos.
Eu não consigo enxergar na paixão um limitador, paixão pra
mim é um agravante. Se para uns o estado de êxtase faz não enxergar mais
ninguém a não ser o ser amado, para mim, ao contrário, faz todo mundo parecer
interessantíssimo. Quantidade não é qualidade, mas também não quer dizer que
não seja. As variáveis da paixão são múltiplas e recombináveis. Você pode achar
a pessoa certa ou várias pessoas certas e fazer uma loucura com cada uma delas,
ou todas as loucuras do mundo com uma pessoa só. Se a paixão é arrasadora,
morra e renasça. Do pó ao pó. É preciso viver tudo para esgotar as vontades e abrir
espaço para novos desejos.
Mas apaixonar-se não é uma tarefa fácil. E, hoje em dia, é
ainda mais raro. As pessoas estão muito pouco atentas ao outro, pouco abertas, pouco
focadas nos assuntos do coração. Como encontrar a sua cara metade se você está
em plena época de prova final na faculdade, se tem que entregar a tese do
mestrado, se tem que finalizar aquele projeto para o chefe, está atrasada para
a academia, tem hora na manicure, na depilação, se esqueceu de passar no supermercado,
ih, perdeu o horário do dentista, remarca aí a revisão do carro que hoje o
filhote tem natação.
É preciso ter tempo para viver uma paixão. O tempo é a lenha
que vai estalando até pegar fogo. Mas você tem que alimentar as chamas, as
resmas não caminham sozinhas para a fogueira. Viver cada momento sem pressa,
sem relógio, sem aquela sensação de que deveria estar em outro lugar, fazendo
outra coisa. É deixar o sentir entranhar na sua pele, formigar no seu sangue a
cada sístole, a cada diástole, é submergir em desejos e, quando a pele
arrepiar, deixar o arrepio deslizar pelo seu corpo como uma onda sísmica, lenta
e prazerosa, inebriante e infinita. Um segundo vale uma hora, uma hora vale um
mês e um mês vale uma vida. Uma paixão exige, além do tic-tac do coração, a
inevitável entrega ao tic-tac do tempo.
E sem dedicação, não há paixão. Há que se banhar em óleos, se
perfumar, sentir o perfume do ser amado agarrada no travesseiro. Há que se
respirar fundo, suspirar. Há que se beijar fotografias, falar sozinha com o
espelho. Há que se ouvir música, cantar, dançar, se embalar em sonhos e
fantasias. Há que consumir poesia, observar os passarinhos nas árvores, há que
se contar as estrelas do céu, as ondas do mar. Há que se tocar, acariciar,
aconchegar, há que se inebriar de temperos, sabores, cores, há que se olhar
para o nada e enxergar tudo. E depois de dar o melhor de si a si mesmo, faça
tudo em dobro para o outro. Com tesão.
Tesão é uma palavra que provoca calafrios. Em uns, de medo - do
desconhecido. Assim como a paixão, o tesão é uma das coisas mais condenadas,
reprimidas e rechaçadas da nossa sociedade, sociedade esta que tem pavor ao
descontrole, ao que não se pode enquadrar. E você acaba achando que tesão é o
que sente pelo Gianecchini ao folhear uma revista. Ou aquele ula-lá momentâneo
pelo galã sem camisa da novela das sete. Que tesão é um simples orgasmo. Não é.
Tesão é vibração, é o pleno exercício do sentir. É se
permitir, não se limitar. Tesão é o fio de lava que corre dentro das suas veias
e que só vem à tona se você permitir que as placas tectônicas que existem lá no
fundo do seu eu, também conhecidas como desejo, explodam livres, dando vazão à
energia que provém dos seus pensamentos mais íntimos e que você reprime por medo,
vergonha, preconceito ou culpa. É um belo espetáculo.
Que este ano você deixe os rios de lava correrem soltos
montanha abaixo. Entre em erupção. Estoure de paixão. Que esteja você em que
ferrovia estiver, trilhe você o trilho que for, não fique na estação a ver
navios, salte no trem, agarre-se no seu bem, apite, grite, ferva, vibre.
Experimente a sensação de ser atropelado pela locomotiva do tempo. Suspire. Que
o tesão seja uma constante, a vida seja apaixonante e os seus desejos não fiquem
pendurados, sem moldura, sobre a estante. Feliz tempo novo!
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