As paredes do labirinto eram feitas de um tecido elástico e
resistente - uma espécie de película, um útero. Não dava para ver nitidamente o
contorno dos corpos, mas se alguém passasse do outro lado, podíamos sentir,
tocar através do tecido e até envolver a pessoa inteira. Havia nichos com
buracos onde línguas, mãos e o que mais a criatividade permitisse encontravam
outras línguas, orifícios e umidades sem identidades. Cantos e recantos de
descanso, com almofadões e sofás aconchegantes, se transformaram em salas de
orgia. Duplas e trios de mulheres e homens e pernas e braços se emaranhavam
lindamente como se regidos por um maestro. Por mastros. Havia pequenas celas espalhadas
pelos corredores, cujas treliças das portas nos permitiam ver o que se passava
dentro. Uma forma de preservar os mais tímidos e satisfazer aos voyeurs.
Estávamos no templo do sexo, animais soltos no cio. Em uma sala, sem teto, dava
para ver as estrelas.
A idéia de permitir novos integrantes no grupo deu uma
renovada no espírito e na libido da galera. Foi uma sensação para os dois lados:
nós, “veteranos”, ansiávamos por carne nova, eles, os “novatos”, vibravam com a
conquista de uma vaga no grupo. Alguns esperavam há anos por esta oportunidade
- foi como ganhar na loteria. Na sociedade paralela onde erguemos os pilares do
nosso clube sexual, somos famosíssimos e respeitados. Você pode não acreditar,
mas há entre nós médicos, engenheiros, psiquiatras, artistas, pessoas que você
convive no dia a dia e que jamais desconfiou que levassem uma vida dupla. Pois
é exatamente nesse universo clandestino, longe dos holofotes, dos superegos,
dos limites e das convenções sociais que encontramos nossa plenitude sexual,
nossa liberdade de expressão, de tesão, nosso eu.
Em uma esquina, Richard e uma das novas integrantes da turma
se esbaldavam em uma cadeira erótica. Ela estava sentada de frente, com a
cabeça e os braços jogados pra trás, a cabeleira negra caindo em cachos como
uvas transbordantes, as pernas bem abertas. Lindas pernas. Coxas firmes e
grossas contraíam a cada estocada também firme e com o grosso calibre de
Richard, que parecia possuído. A visão daquela cena inesperada, selvagem,
linda, a tonalidade da luz âmbar sobre o brilho dos corpos suados, o desenho
perfeito das silhuetas, os músculos retesados me hipnotizaram. Gemidos roucos,
loucos, ecoavam pelo corredor. O cheiro de sexo misturado ao aroma rústico que
exalava dos borrifadores estrategicamente colocados no teto me deixou em ponto
de bala.
Duas mãos me envolveram pela cintura, por trás. Senti um
possante volume me pressionando o traseiro e uma língua quente lambendo o meu
pescoço, dentro de uma mordida vampiresca. Minha jugular latejou, entrei em
ebulição. Ele disse: “Fecha os olhos e empina a bunda”, obedeci. Era ele, meu
oposto, meu complemento, o número 6. Suas mãos foram subindo pelo meu peito e
agarraram meus melões maduros. Não lembro se ele tirou o meu sutiã ou se o
perdi em algum amasso pelo caminho. Calcinha, eu fui sem. Meu vestido? Escorreu
cintura abaixo como uma ducha de cachoeira. O resto, tiramos e colocamos freneticamente,
num vai-vem ritmado, feroz, enlouquecido. Passamos o resto da noite juntos.
Apenas meus uivos se misturaram aos outros.
No final da festa, quem se achou, se achou, quem não se achou
é porque tinha sido achado. Não descobri a identidade do outro número 9, mas o
inverso dele me satisfez. Ainda nos beijávamos nus em um divã quando um dedo me
cutucou o ombro. Era a Silvinha, de braço dado com a Bebel. As duas riam
freneticamente. “O sol já raiou”, disseram. “Nós sabemos”, rimos. Os ruídos e
resfôlegos haviam cessado há muito tempo, o silêncio imperava. Uma mesa com
nossos presentes para o “Amante Secreto” nos aguardava no jardim. Podíamos
pegar qualquer um. Escolhi o meu próprio kit que estava ali dando sopa. “Tenho
deliciosos planos para ele”, disse. “Ah, é?”, o número 6 me puxou pela cintura.
“É”, sorri. Partimos, felizes, para mais uma rodada de prazer deste labirinto
sem saída que é a vida.
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