quinta-feira, 31 de maio de 2012

ÍNTIMO DESCONHECIDO


Combinamos de nos encontrarmos num motel, em duas horas. Quase não precisei me arrumar – estou sempre pronta para uma deliciosa sacanagem. Mas tirei do armário uma relíquia que eu trouxe de Paris para momentos especiais: um conjunto de lingeries negras, rendadas, com espartilho vitoriano, presilhas de prata e tudo o que tenho direito para incrementar o strip-tease alucinante com o qual eu presentearia Jotabê pela coragem de embarcar nessa louca fantasia. Vou ser para ele, esta noite, tudo o que eu imagino que ele quer que eu seja. Selvagem, mas feminina. Sedutora, mas delicada. Pró-ativa, mas totalmente disponível. Ele me imagina uma deusa, mas vou ser bem mais que isso: serei uma deusa apalpável.

Coloquei um vestido de seda curto, vermelho, cujo comprimento da saia se alinha com a barra das meias 7/8. Quando eu rebolo a saia ondula levemente, o suficiente para mostrar, num relance, o início da cinta liga, só para, em seguida, devolver as minhas coxas aos mistérios profundos em que elas se revelam e desvendam. Não passei perfume algum. Quero que ele se impregne do meu cheiro. Prendi os cabelos desajeitadamente e ficaram caindo em cascatas rebeldes. O salto agulha não poderia ser outro. Já a máscara, escolhi uma em forma de “mulher-gato”, que deixou à mostra meus lábios carnudos, bem sensuais. Eu tinha outras, mas essa casou direitinho com meu instinto felino de hoje. Uma coisa, assim, gata no cio.


Saí pela portaria abafando. Adoro testar meus looks com os porteiros do prédio. Se eles demoram mais de cinco segundos para responder aos meus cumprimentos é sinal que estou arrasando. Se, ao contrário, levantam num susto e gaguejam atrapalhados “Bo-boa noite do-dona Verônica”, estou no mínimo gostosa. Esta noite era o Damião de plantão. Ele se ergueu atabalhoado, mas não conseguiu articular uma palavra, boquiaberto. Ficou me olhando petrificado. Ótimo. É esse o efeito que quero causar no Jotabê.

Cheguei bem antes do combinado. Abri minha maleta de acessórios. Uau! Parece até coisa de profissional do sexo. Taí, acho que sou isso mesmo, com a diferença de que dou por prazer, não por dinheiro. Não que nunca tenha dado por grana. Uma vez eu dei, entrei na pele de uma garota de programa. Foi bem divertido, outro dia eu conto. Mas dessa vez, a coisa era séria.

Eu estava tão excitada com a ideia de transar com um íntimo desconhecido que mal conseguia riscar os fósforos para acender as velas perfumadas de sândalo que espalhei pelos cantos da suíte. Liguei a banheira de hidromassagem, coloquei sais e pétalas de rosa - adoro flores, sempre tenho um arranjo em casa, acho que elas dão vida à vida, são superfemininas: se abrem para receber o sereno da noite e os orvalhos da manhã. Tudo a ver comigo. E para finalizar, baixei a luz até um grau de penumbra. Ficou um clima perfeito. Liguei o som.

Os minutos valsavam. Estourei um champanhe. Todo o ritual começa com um ato simbólico. O meu é um gole de champanhe, uma espécie de brinde a mim mesma. Fico lambiscando os lábios e adoçando o paladar para ir exercitando a língua e calibrando as vontades. E talentos. Admirei meu corpo junto ao espelho e sorri ao ver que esqueci de colocar a calcinha - de propósito. Diante de tanto preto e vermelho, achei que a marquinha branca do meu biquíni, minúscula e conquistada com tanto carinho, desenhada como uma tatuagem na minha carne rija e bronzeada de sol, valeria a pena exibir. Passei um gelo sobre ela e no meu ponto G. Parei. Não queria o meu tesão só pra mim hoje.

Um barulho de carro me fez estremecer. Vesti a máscara, virei de costas e fiquei esperando, com o coração disparado, a mil. Cada segundo era um abismo de tempo. A porta fez clic e um longo silêncio condensou o ar. Eu estava curiosíssima, mas não sei por que não conseguia me desvirar e encará-lo. E se ele não fosse como eu estava imaginando? Espiei-o através do espelho. Não era nada do que eu esperava. Era muito melhor! E estava segurando um bouquet. Um bouquet de lindas rosas vermelhas.

Seria previsível demais ele ir vestido de Zorro. Mas foi. Assim como seria previsível demais eu ir vestida de mulher-gato, e lá estava eu ronronando. Nossa mútua previsibilidade foi apenas um dos indícios de que tínhamos mais do que fantasias em comum. Sorrimos e nos aproximamos. Estendi a mão como uma lady. Ele era alto, mais alto do que o meu salto dez, e tinha uma das coisas que mais me deixam alucinadas por um homem: o maxilar quadrado. Tenho um tesão danado em machos com cara de machões. Uma coisa rude, com barba por fazer. E tinha covinhas!

Fez graça: tirou o chapéu, fez um galanteio, me olhou de cima a baixo e, com um suspiro que mais me pareceu uma bela tomada de fôlego, disse “não sei nem por onde começar”. Inesperadamente, ou talvez eu estivesse mais do que esperando, me enlaçou com o chicote e me deu um beijo guloso, daqueles que a gente se derrete inteira. Não sei como, não lembro bem, quando abri os olhos já estava na cama. Meus planos de fazer um strip, mulherão selvagem, aquela coisa toda, foram por água abaixo. Quem estava mandando na parada era ele – e eu estava adorando! 

Foi tirando peça por peça, lentamente, mas não numa sequência lógica. Meu vestido se foi junto com as ligas. Então, parou e ficou hooooras beijando meu espacinho de coxa entre a meia e o meio, me lambendo, acariciando, me admirando, pedindo para fazer poses, para eu me exibir pra ele. Entre uma tomada de ar e outra, dizia “nooossa!”, e era como uma palavra mágica que acendia um fogo ardente, ele vinha com tudo pra cima, pra dentro, pra fora, pra dentro... E quando eu estava quase desfalecida de prazer, parava e tirava outra peça de roupa. E me engolia, me abocanhava, me mordia. E eu miava.

Não tiramos as máscaras em nenhum momento. Isso foi uma pimenta a mais no que já estava pra lá de picante. As mãos dele percorriam minhas curvas como se já realmente me tivessem explorado mil e uma noites. Sabia pegar, apertar e, principalmente, onde pegar e apertar. Confesso ter ficado impressionada. Muito raro um entrosamento milimétrico assim, de primeira. Ele dizia que eu era perfeita, eu pensava “que cara perfeito”. Ele dizia que estava louco por mim, eu pensava “que maravilhosa loucura”. Falou que nunca ficou tão excitado, que podia morrer ali, que morreria feliz. “Pois eu te quero bem vivinho”, sussurrei. Sorrimos. E a noite, que parecia nunca acabar, estava só começando.

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