Há anos, muitos anos, ganhei um
belíssimo binóculo de presente de um caso que tive com um diretor de cinema
dominador, numa época em que eu estava curtindo desvendar os peculiares e
tortuosos prazeres do mundo BDSM. Das práticas sado-masô pouco restaram além de
lembranças e algumas marcas e já havia até me esquecido das sessões de
dolorosas brincadeiras quando, na noite passada, em meio a uma insônia terrível,
resolvi organizar meu guarda-roupa e dei de cara com o passado. Hum, que
descoberta interessante!
Imediatamente, minha memória me
jogou de volta aos calabouços daqueles tórridos dias de submissão e dominação e
prazer total. Dias em que me despi de desejos, roupas, vontades e entreguei meu
corpo e minha alma numa bandeja de prata ao meu amo, o Mestre dos Mestres, meu
adorável Mestre Dom. Por um período da minha existência, ele foi o Senhor da
minha obediência, servidão e sexualidade. Serviu-se de mim quando e como quis,
sem perguntas, sem explicações e com minha total aquiescência. Como sua escrava
sexual, aprendi muito do que sei hoje - não nasci expert em sexo como há quem
suponha. Como sua fiel serva me submeti aos seus caprichos, taras, obsessões,
numa entrega cega e sublime. Orgulhosa por ter sido escolhida, honrada por ser
aceita e feliz por pertencer.
Ao contrário do que muitos
pensam, numa relação sado-masoquista quem dita as regras é a parte submissa. É
ela quem diz até onde a coisa toda pode ir, quem obedece é que dá os limites. O
jogo sado-masô nada mais é do que a constante busca pela quebra desses limites.
Quanto maior o passo dado além do suportável - e aí entram as agulhas, velas, bondages, espancamentos, sufocações, humilhações,
chuva dourada, chuva marrom e fetiches mil -, quanto mais a corda estica além
do estipulado entre as partes, maior o status do escravo e o prestígio do
mestre. E o prazer mútuo. O resto são variações sobre o tema.
Um Mestre pode tudo e um escravo
nada pode a não ser que o Mestre lhe dê a permissão. O único e derradeiro
desejo passível a um escravo sexual, seja ele homem ou mulher, é não querer
mais ser escravo, é devolver a coleira com as iniciais do seu dominador que ele
ou ela ganha no momento do batismo - uma coleira mais ou menos como a que a
Luma de Oliveira exibiu com o nome do marido no carnaval de 1998 e que causou
frisson na comunidade BDSM. Mas há que ter um bom motivo (eu tive) por que uma
vez rompido o elo, o jogo acaba, o cristal se quebra, o ponto é final e não há
reticências.
O Mestre pode usar, abusar,
lambuzar, emprestar, trocar ou mesmo ceder por um determinado período, curto ou
longo, para usufruto singular ou grupal, sua escrava ou escravo a outro ou
outros mestres. Perdi as contas de quantas vezes lambi, suguei, engoli,
mordisquei, tateei, toquei, abocanhei, vendada ou de olhos bem abertos, de
quatro, sentada, de joelhos, amarrada, acorrentada, em pé, deitada, suspensa,
besuntada, molhada, fui penetrada, agarrada, esmagada, possuída, compartilhada
pela urgência viril de outros mestres. Para orgulho do meu dono, eu era
cobiçadíssima nas rodas BDSM do Rio e de São Paulo. A fama das minhas curvas,
beleza e voluptuosidade atravessaram continentes, éramos constantemente
convidados a festas até no exterior, onde nossa performance - a minha falta de
limites e o excesso de criatividade dele - fez história nessa sociedade
paralela.
E do lado de cá, a vida segue e
tem dias em que o teu dono trata você feito rainha, leva pra jantar, dá flores,
faz amor com carinho, ouve seus dissabores, protege, conforta, estimula, faz
massagem, cafuné e enche de atenção e tesão, fazendo você delirar e transbordar
todas as comportas possíveis do prazer. E quanto melhor ele te trata mais você
acha que vale a pena suportar os momentos em que ele te maltrata. É mais ou
menos como em todas as relações “baunilhas”, ou seja, de pessoas comuns que
levam vidas pacatas sem cruzar as linhas das clandestinidades várias que
existem para os que se perdem nos caminhos sem volta da luxúria. Sempre tem um
que manda e outro que obedece, em maior ou menor escala. Um que domina e o
outro que é dominado, por livre e espontânea vontade ou pressão ou
conveniência.
Peguei o binóculo e fui para a
janela bisbilhotar a vida alheia. Descobri duas pérolas: uma que bateu a
saudade do mundo BDSM, não para voltar como ativista de carteirinha, mas para
rever os amigos e brincar um pouquinho porque, cá entre nós, é do lado de lá
que estão as pessoas mais criativas na cama - ou em lugares menos óbvios - que
já encontrei na vida. A outra pérola é que tenho um vizinho fenomenal no prédio
do lado, gostoso pra caramba, que está fumando na janela só de cueca. Ula-lá!
Sobre esses dois assuntos vou falar nos nossos próximos encontros. Prepare um
drink geladinho, porque a coisa vai esquentar.
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