sábado, 28 de abril de 2012

FESTA DA BEBEL


Há certos momentos na vida que são inesquecíveis não porque jamais os esquecemos, mas porque não paramos de lembrá-los. São situações e emoções que você sabe únicas, que beiram a incredulidade pela magnitude, que dão vontade de ajoelhar e agradecer pelo privilégio de vivê-las. Momentos tão incríveis que dão um aperto no peito pela incapacidade de repeti-los - pois a perfeição é finita e uma vez atingida só pode ser superada por ela mesma. Pela consciência de que eles já se foram e só nos resta amargurar de saudade, repassá-los na memória e rir ou chorar de felicidade. Assim foi a festa de “Amante Secreto”, deste ano, na casa da Bebel.


Chegamos, Silvinha e eu, pontualmente às 21h. Nada de entradas triunfais, pescoços virando em nossa direção, aquela coisa toda. Essa tática é boa quando não conhecemos ninguém e queremos abafar, dizimar a concorrência e ter o privilégio da escolha do parceiro. Não era o caso. Todos naquela recepção eram amigos de longa data, amigos íntimos, eu diria. Havia um ambiente de sedução, mas não de conquista: seríamos sorteados, entregues à sorte, ao destino, não precisávamos despender energia com as artimanhas do jogo do acasalamento. Podíamos ser nós mesmos, com decotes, fendas, volúpias, claro, mas naturalmente transparentes, com os desejos à flor da pele e exibidos para quem quisesse ver. O sexo não era o fim. Era o começo e o meio.

Apesar do ar blasé de início de festa, dava para sentir uma onda de excitação contida, olhares buscavam olhares, sorrisos encontravam cúmplices, éramos crianças aguardando o Papai Noel com seu grande saco de brinquedos. Será que ele atenderia aos nossos desejos mais profundos? Ferormônios tilintavam no ar numa atmosfera lounge, garçons passavam com drinks fumegantes e taças de champagne. Apanhamos duas e tratei de apresentar as estonteantes curvas da Silvinha à dona da casa, que já estava espichando para ela uma mirada cheia de fome. Sabia que a minha amiga ia agradar a gregos e troianos. Começou agradando à anfitriã - um ótimo primeiro passo.

A mansão da Bebel, também conhecida como “Mansão dos Sentidos”, tinha 15 quartos e um mundo de possibilidades. Mas, surpreendentemente, desta vez fomos informados que a festa não aconteceria na casa principal. Então, onde? Surpresa. Tivemos que resistir à tentação de espiar pelas janelas para colher pistas e, mesmo que tentássemos, pouco veríamos: grossas cortinas nos impediam e holofotes potentíssimos focados de fora para dentro nos ofuscavam. O esquema estava muito bem organizado.

À meia-noite fomos conduzidos a uma sala enorme, com painéis lindíssimos pintados à mão com a Bebel em posições e atuações eróticas, verdadeiras obras de arte. Ganhamos vendas para colocar sobre os olhos, uh-la-lá! O mundo dos sentidos começou pelo tato.

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É de praxe, no nosso grupo, que o organizador do encontro dite as regras. É um voto de confiança e uma espécie de agradecimento pela hospitalidade. E, claro, uma maneira de uma festa nunca ser igual à outra. Esta noite, em vez de nomes, foram sorteados e distribuídos números. Eu tirei o 9, mas não sabia quem mais o tinha tirado. O detentor do outro 9 seria meu a noite inteira e eu dele, ou dela, e a completa ignorância da sua identidade elevava minha volúpia ao cubo.

Seria o interessantíssimo acompanhante do Hugo, cuja masculinidade do aperto de mão quase me fez pensar em abandonar o bissexualismo? Seria a ruivíssima Perla e seus cabelos de fogo, sua voz quente, seu cheiro de alecrim? Seria um dos gêmeos idênticos e de sabores distintos já provados e aprovados, mas sempre apetitosos? De quem eu seria? Havia tantos maravilhosos! Um sino soou, as vendas foram colocadas e fomos guiados até uma passagem. Através de um corredor infinito, andando às cegas entre risadas e suspiros, entre toques e apalpadelas, nos dirigíamos ao que seria nossa cova e alcova.

Como presente, este ano John mandou construir no jardim um labirinto gigantesco, repleto de salas e recantos e portas misteriosas e tecnologia de ponta para nos enlouquecer de prazer. Tenho que tirar o chapéu para a criatividade do marido da Bebel, aliás, eu tiraria tudo para ele, cuja generosidade e intelectualidade me dão um tesão danado.

Não, não pense que a Bebel se importa, se magoa ou se sente traída. Traição é uma palavra que não consta no vocabulário de quem optou por uma vida devassa e libertina. Tudo é permitido desde que validado pelo permissionário. As cartas são postas na mesa, as regras são explícitas, assim como o sexo e é só isso o que interessa. Não há amor, há respeito, não há compromisso, há espontaneidade, não há paixão, há tesão, não há vínculos, há ligações, não há sentimentos de posse, há possessões, não há ciúmes, há vontade de ver o outro feliz.

Tiramos as vendas. Estávamos em uma espécie de tenda espaçosa, com sofás e almofadas espalhadas, um bar a um canto, luzes indiretas deixando mais penumbra do que claridade. Sem saber, estávamos no meio do labirinto. Duas modelos estonteantes, em sexy lingeries, circularam distribuindo cordões de couro com pingentes de ouro branco. Atei meu número no pescoço. O champanhe começou a fazer efeito. Não consegui descobrir o meu par. O acompanhante do Hugo me olhava fixo do outro lado da tenda. Sorri. Ele veio caminhando, conferimos nossos números, não batiam. Sorrimos. “Fomos feitos um para o outro, mas não por esta noite”, eu disse. Ele pegou a minha gargantilha e foi me puxando até encostar o nariz no meu. Sussurrou: “Deixa eu mostrar como você está enganada”, e juntou o 6 dele com o meu 9: 69. Sorriu.

Havia quatro portas: Norte, Sul, Leste, Oeste. Podíamos entrar em qualquer uma. Podíamos levar o tempo que fosse para encontrar nosso par. Podíamos nos perder para sempre nas esquinas daquele labirinto de prazeres. Alguns pares já haviam se localizado e começado a brincadeira ali mesmo. Outros já sabiam a quem pertenciam, mas preferiram penetrar no instigante labirinto, só de sacanagem. O que viria pela frente - ou por trás? Eu estava em transe, curiosa, excitada, encharcada. Era como se estivesse sonhando acordada. Tudo parecia irreal, perfeito demais, minha pintura pessoal surrealista concretizada em fascinantes flashes de uma suruba impagável, ilimitada e inebriante. Entrei pela porta Norte. Caçador e caça mesclados num só espírito. Deus e deusa num só corpo. O jogo começou.

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